sexta-feira, 1 de abril de 2016

A quem refletir interesse.

Há cinquenta anos, comemorava-se a vitoriosa “revolução” de 1964. Era assim que os militares que detinham o poder se referiam ao golpe. Eu, nos meus tenros seis anos de idade, saindo dos cueiros e da minha felicíssima primeira infância, por força do trabalho do meu saudoso e amado Pai que havia sido transferido para Garanhuns/PE. Vivia as criancices do momento.

Sempre dotado de uma memória prodigiosa, lembro nitidamente de cada detalhe, como o rapaz que era técnico em eletrônica conhecido de Papai que sempre recorria a ele para consertar (havia esse hábito de se consertar as boas coisas) o seu rádio “Phillips Transglobe”. O técnico morava próximo a nossa casa, do outro lado da Rua do Recife. Eu amava brincar com aqueles rádios velhos e o técnico sempre me presenteava com alguns transistores e placas velhas.

No meu universo de criança não me dei conta imediatamente do “sumiço” do rapaz que consertava rádios. Um belo dia a porta de aço de sua minúscula fechada me chamou atenção e perguntei a Papai onde andava o rapaz que consertava rádios?

- Ele foi levado pela polícia filho.
- Por quê?
- Por pensar diferente do governo, ele é comunista!
- O que é isso?
- São pessoas que pensam diferente.

Devo reconhecer que aquela explicação não me revelou nada! Absolutamente nada. Seguimos tempos adiante nos conhecidos “anos de chumbo”.

Um belo dia, era sábado, lembro bem por conta da feira que se instalava no centro e que subia até a nossa rua que era aladeirada.

- Pai, a oficina do rapaz que conserta rádios tá aberta.
- É mesmo filho, vamos lá.

Fico arrepiado de ver em minas lembranças a imagem daquele trapo de gente, engulo o nó e as lágrimas ameaçam cair, vejo-o cheio de hematomas, com um braço enfaixado e cabisbaixo. Absolutamente todo quebrado.

Tinham roubado violentamente a alma daquele corpo, nunca mais vi a oficina aberta, anos depois soube que ele tinha sido levado outra vez e que não tinha voltado mais.
Hoje, dia do burro de 2016 vejo o meu País nessa convulsão e creio mesmo que tudo isso faz parte desse processo.

O que não tolero é a guerrilha que injeta terror e intolerância de irmão contra irmão, vizinho contra vizinho. Amigos se digladiando. A ira no olhar do outro que no fim só serve a um propósito, e digo-lhe pessoa querida, não serve a mim, não serve a você.

Já fomos usados tantas vezes, sei que quem esquece as lições aprendidas pela vida, tende repeti-las eternamente.


Que o dia do burro jamais seja o nosso dia outra vez.

Eu, minhas tias, minha mãe e irmã mais nova naqueles idos.

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