segunda-feira, 28 de julho de 2008

SAUDADES


FOTOARTE - Feira de São cristovão (Xuxa de bicicleta) 2005


Dizem (é aquele negócio de ouvi dizer) que saudade é uma palavra nossa, que só existe na nossa língua! Não sei se isso é verdade, ou não, e na realidade nada vai diminuir, amenizar qualquer saudade que seja. Qualquer saudade que sintamos, nada vai mudar.
Saudade é coisa rara, única, ímpar e assim começo essa resenha, falando do que vi, ouvi e senti num cantinho erguido em homenagem a saudade.

Fiz um programa de cabeça chata, nortista, baiano, ou seja, de Nordestino e com muito orgulho que tenho de minhas raízes. Fui à feira de São Cristóvão, também conhecida como “feira do Paraíba”.
Assim que agente se aproxima vê a construção ondulada que de cara lembra um imenso, enorme, chapéu de couro de sertanejo. É assim como um grande ginásio em termos de tamanho. Estacionamos o carro e de cara entramos pelos fundos, coisa de nordestino sem muitas convenções. Meus primos foram logo dizendo que a coisa tinha melhorado muito, que antes era uma feira de mangaio, feira do passarinho, algo assim meio muito esculhambado, avacalhado, sem nenhuma organização e principalmente sem asseio, higiene zero. Bom, é isso a que estamos acostumados a ver em nossas feiras livres. Normal.
Mas houve a reforma, agora as novas acomodações são bem organizadas, tem as lojinhas e corredores labiriínticos, mas tudo muito arrumadinho (não vamos exigir demais), e muito asseado (imaginando-se como a coisa deveria ser antes).
Fomos em direção à entrada, pra ver a estátua do velho e bom Gonzagão, a escultura é um bronze em tamanho natural (creio que aumentaram a altura dele só um tiquinho) retratando ele nos seus bons tempos tocando sua sanfona. Fiz pose ao lado da escultura tiramos fotos e quando resolvi fotografar a escultura compatriota, um patrício, ou melhor, um irmão e me perguntou?

- Quanto é a foto? Eu quero tirar uma!

Pronto! Logo vi que tava no Nordeste! Em pleno Rio de Janeiro, daí por diante é só abrir os olhos e o coração e ver, sentir. Não há como se perder é um emaranhado de becos com biroscas de todo gênero que bem poderiam estar em qualquer Caruaru ou Arapiraca do nordeste, a cada dois paços um som diferente, do forró mais escrachado, esculhambativo ou espaiante, seja xote ou xaxado, brega ou forró eletrônico a música não para, é uma confusão do futi (referindo-me aqui ou famigerado pé preto). É capaz de você endoidecer, mas depois, com um tempinho suas oiças vão se adaptando e vem uma sintonia fina e você passa a filtrar os sons. Aí sua audição fica bastante seletiva.
Bom, como se isso não bastasse pra onde danado você espia, só vê nordestino, ou pau de arara como os cariocas na sua malandragem, meio que ignorante costumar zonar conosco. Rapaiz, homi e essas meninas, o negócio é confuso, de repente você é sugado para uma dimensão paralela e aí não se sabe mais que estamos no Rio, agora estamos na sonhada Pátria dos nordestinos, cantada e decantada pelos poetas, onde gente de todas as repúblicas nordestinescas se amalgamam e tornam-se um só povo, um só sentimento, uma só cultura. A saudade.
Sabe aquela nossa gente que freqüenta a feira, a dona daquele freje, o cabra de chapéu preto, a bruaca, a rameira, o veio, os meninos, a peituda fantasiada de meio Xuxa, meio Minnie em sua bicicleta escalafobética, a confusão, a gritaria, a risadagem, as cachaças com tudo que é fruta dentro, aqueles enormes vidros de pimenta é quase o caos! Pois então, tudo isso reunido num lugar só. Uma alegria sem igual, uma coisa de maluco, doido, ou melhor, dizendo coisa de Nordestino, de uma gente aloprada que somos nós. Gente que traz a alma, corações e corpos cheios de saudades que trazem a cada dia de feira um muitão de sua alma, de seu ser, do jeito que só nós sabemos, e abre-se a esta energia, este sentimento de resgate, amostra a todo mundo que quiser ver o quanto somos autênticos e expressivos.
Um coloridão um amontoado de panos, sandálias, artesanatos, e brebotis os mais diversos pra quem quiser sentir, recarregar as baterias, viver.
Dentro temos uma rua principal, um corredor mais largo que de uma ponta a outra interliga os dois palcos principais que tem sempre algum grupo se apresentando com as nossas coisas, músicas e danças. No centro um espaço tipo uma pracinha onde quatro violeiros se destratam com aquelas suas vozes e rimas conhecidas a embolar e improvisar durante o dia todo.
Muito cordel, raiz de seja lá o que danado for, chás tipo quebra pedra, garrafadas e queijo qualho e manteiga, gente sem dente, mas sorrindo, gente que está precisada de rever sua gente, é o lugar certo pra isso.
Creio que tem gente aqui que não vai ao seu cantinho, no seu pedacinho de chão há muitos e muitos anos, décadas, e talvez nunca mais volte por lá. Mas com certeza a saudade é amenizada, e olhem, tudo aqui é de vera, nada é armado ou feito pra turista não. Tudo tem alma e coração.
Este com certeza é um outro pedaço do Rio, que vale a pena conhecer, apesar de não ser turístico, creio que se cada visitante ou mesmo carioca desse uma passadinha por aqui, até a saudade de quem não tem saudade seria saciada, e ao sair daqui, a saudade se instalaria como “chama que arde” no coração de cada um de nós.


Um saudoso e fraterno abraço

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