terça-feira, 29 de março de 2016

Há mais de uma década, resolvia eu morar na capital do estado do espírito santo, a cidade de Vitória. Assim começava uma história de desafios, superações, aceitações, descobertas e conquistas.
De lado a lado fomos nos enamorando e tudo teve início com uma pesquisa costumeira que fiz sobre a Rua Sete, ícone da boemia e da bossa nova capixaba, por aqui passaram ícones da música, cultura e até hoje é o centro da agitação etílico cultural do estado.

Segue o texto original sobre essa pesquisa:

Rua 7 de Setembro
Centro
CEP: 29015-000
Vitória/ES.

Numa breve pesquisa sobre a rua 7, motivado pelo desejo de mais precisão além dos pitorescos acontecimentos, fui pouco contemplado pelo menos internecticamente falando. Muito superficial o que está a disposição sobre esta tão afamada rua do centro da cidade de Vitória do Espírito santo.
A vila de vitória que surgiu lá pelos meados de 1555, que naquela época seria a vila nova, pois a velha já existia, assim como existe até hoje. Começou por cima da carne seca, pelo menos por cima da carne seca dos caranguejos que habitavam os mangues que permeavam Vitória desde os seus primórdios e que foram a exemplo Holandino, soterrados, aterrados ou enterrados como queira o freguês.
A nossa querida rua 7 de setembro só surgiu um bom tempo depois e nos inicialmente citando Odorico Paraguassú (ou Paraguaçú), era uma rua destinada a moradia dos servidores ou funcionários públicos de então.
O tempo passa, o tempo voa e nos vemos na atualidade vivencial do século XXI, nesta modernosa e tradicionalista (assim como são as ruas, são as criaturas que nelas habitam e transitam) Rua 7 de Setembro, a rua do calçadão.
A primeira vez que fui a rua 7 cheguei pela Av. Beira Mar, passei pelo Teatro Carlos Gomes e pela Praça Costa pereira e estacionei o carro quase em frente a ela. Estão vamos fazer este breve passeio começando por este trecho.
Vê-se logo o calçadão e como portais do lado direito um prédio rosáceo que no seu térreo é uma farmácia e nos andares superiores funciona um Hotel e Restaurante desses que se encontram em todo centro, baratinho, classe econômica 5 estrelas (a menos). Logo avistamos ao lado da entrada um pequeno quadro de avisos com os dizeres escritos a giz amarelo “Almoço completo por R$ 8,00”. Três andares malajambrados, decadentes onde nota-se ventiladores a toda velocidade balançando no teto (só de ver os ventiladores você já sente o calor) e gente descamisada numa sacada central que dá vistas para a praça.
Do outro lado do pórtico adentrante um outro prédio de arquitetura um pouco mais recente onde funciona em seu andar térreo uma das tantas óticas que funcionam (modo de falar pois além de muitas, as óticas vivem as moscas). No primeiro pavimento dessa construção insossa funciona um templo religioso de denominação complexa e extensa. Logo notamos que os ventiladores lá também funcionam a todo o vapor. Lugarzinho animado esse. Para continuar falando sobre o tal templo, tabernáculo e casa de festas, tenho que fazer uma ressalva, coladinho, lado com lado tem um prédio onde figura a data de sua construção que é de 1927. Neste prédio mais antigo que o outro, funciona uma agência bancária no térreo e acima um centro espírita. Não dá pra não pensar não é mesmo. De um lado um templo que “cuida” dos vivos, vizinho um lugar a cuidar das “almas” e abaixo a morada da matéria em espécie.
Como dizia, o templo está ali com suas paredes decoradas com bandeiras de países diversos e que funciona todos os dias, quando chega a tardinha as janelas se abrem e começam os trabalhos. E que trabalhos, olha se existe uma gente que “ora, pois” e trabalha pra ganhar o reino dos céus é aquele povo. Principalmente a cantora que puxa o coro dos “desencantados e a serpente desafinada” como chamarei tal furdunço. A mulher é desafina, sem ritmo, voz de taquara rachada, rádio mono mal sintonizado, pobre criatura, não ela, pois ela e os companheiros de jornada não estão nem aí pro cantar siriêmico desafinadístico, gritante. Pobre de quem é surpreendido com tal misto de grito do Tarzan, chita, gemido de surucucu e o barulho do trem virado isso só pra dar uma idéia da cantoria pois na verdade pra desfrutar de tal momento só ouvindo pra crer que alguém possa ferir tanto os ouvidos como esta senhora é capaz. Creio que ela deveria gravar a versão gospel de “Tô nem ai”. Quando ela começa a cantar tem um irmão que é o percussionista, e ele fica posicionado bem na janela que dá para a rua e fica ao lado do centro espírita. O danado toca atabaque, e lhe digo com certeza, com um toque daqueles, um marcação rítimica precisa e característica ou ele é oriundo do candomblé ou quer ir pra lá.
Com o passar dos dias notei que apesar de haver cantoria todos os dias, tem dias em que a cantoria e o batuque é mais forte, mais alto, mais marcado e o coro é mais estridente. Isso me chamou tanto a atençao que fiquei a estudar o porque destes picos de latumia.
- SAI SATANÁS!
Coincidentemente percebi que tais alterações sônicas se dão justamente nos dias em que o centro espírita realiza suas sessões públicas, as segundas e quintas, no mesmo horário e no mesmo bat-local.
Muito bem, “coincidências” a parte chego a ter pena dos velhinhos que se reúnem em sua sede desde 1927, e que tem que enfrentar o furdunço desafinado de uns tempos pra cá. Mas quem manda ser espírita! Tem que ser resignado.
Disto tudo o mais surpreendente é ver o semblante assustado e surpreso das pessoas que transitam pela rua na hora da cantoria e o susto que levam ao serem interpelado pelo grito da puxadora. O pessoal fica meio atarantado meio que “perdidos no espaço” levantando a cabeça, procurando de onde diabos vem aquele som do cabrunco.
Já entramos na rua 7, agora vamos caminhar mais um pouco e ai poderemos notar o comércio existente, como já disse, muitas óticas, mais óticas e umas outras óticas mais adiante, entremeando as óticas tem uns armarinhos, e lojinhas de lingerie (que não vejo ninguém entrando) e tem uma loja de semi-jóias que tem como maior atração o ligar e desligar do alarme, por parte do seu dono, que me parece ter o maior tesão em ficar apitando aquele troço. Talvez tal evento só perca para as duas gaiolas contendo um canário belga em cada que o dedicado ornitólogo pendura e retira todo santo dia, depois vem mais umas óticas. Um comércio direcionado, creio que a rua sete poderia bem se chamar “Rua da boa vista”, “Rua N.Sra. da Boa Luz” ou ainda “Rua Sta. Luzia” ou calçadão dos ceguetas, mas deixa isso pra lá.
Já na metade do primeiro trecho da rua 7 observamos também que por se tratar da região central, apesar deste fenômeno não se repetir na maioria das cidades, a rua 7 é bastante residencial, muitos prédios de apartamentos onde não mais os funcionários públicos exclusivamente residem mas toda a espécie de gente (principalmente os que gostam daquele meio ambiente).
E por falar em gente a fauna da rua 7 é riquíssima. Ouvi dizer que o IBAMA tá pensando em montar um escritório na rua 7 especialmente para atender a biosfera local.
Tem uma figurinha carimbada, premiada que é habitué da rua 7. Luiz, ou Luizinho (O tratamento depende da intimidade). Um homem de idade indeterminada, a princípio parece um simples maltrapilho esfarrapado mendigo mas, não. Luizinho é figura conhecidíssima por todos que já passaram pelo menos uma vez em sua vida pela rua 7. Não é possível que você transite pela rua 7 sem que sua alma, seus olhos, ouvidos e olfato não sejam tomados, invadidos pela presença de Luizinho!
Geralmente ele está na soleira de uma loja fechada (creio que pra não incomodar), ele sua indefectível roupa preta de um godô característico, imunda e rasgada, fétida e mumística. Ao se aproximar da figura o transeunte desavisado poderá ter seus olhos tomados por um súbito interesse em detectar que espécie é aquela. Cabelos imundos, enrolados quase que petrificados só faltando as mosquinhas ao rodear (depois eu descobri porque as moscas não ficam rodeando o cabelo do Luizinho), o rosto bem como toda a pele dele é escura, coberta de placas pretas que logo se percebe que são crostas de sujeira acumulada e petrificada (Literalmente, Luizinho só toma banho, ou melhor se molha, quando chove), talvez um caso a ser estudado pela UFES para identificar como deu-se esta mutação epitelial, pois a impressão que temos é de que a pele do Luizinho absorveu a imundice e aquilo tornou-se uma coisa só.
Um capítulo especial são as unhas. Ah! Coisa rara, nem José Mojica, o famoso Zé do Caixão chegou a tanto. Unhas enormes, compridas retorcidas, de uma cor assim meio que marrom empretecida cheias de sujeira. Uma espécie de garra de Harpia. O interessante, e isso é um espetáculo a parte é ver Luizinho coçar os cabelos encaracoladinhos (vou usar este diminutivo pra chocar mais) com as pontinhas das unhas. Seria tétrico se não fosse tão nojento.
Luizinho fuma. E está sempre acompanhado de uma misteriosa garrafa meio que encoberta por um saco de papel que eu não sei do que se trata mas pelo odor característico de Álcool que exala, penso eu que deve ser isso mesmo. Álcool! Olha só o perigo. Luizinho, cigarro e Álcool, o DETRAN, ou outro órgão competente deveria realizar uma blitz por estas plagas para fazer uma campanha sobre tal tema pro Luizinho.
Já que Luizinho foi apresentado devo agora descrever o mais interessante sobre tal figurinha. Seu comportamento.
Luizinho senta-se na soleira e fica calado por um longo tempo, contemplativo, observante. Lá pras tantas ele após muita observação e contemplação (acredito que isso deve encher o saco dele) resolve começar uma ladainha pornofônica característica que é composta principalmente pelas seguintes frases:

-                 VÁ TOMAR NO CÚ
-                 PUTA QUE PARIU
-                 BUCETA
-                 CARALHO
-                 PORRA

E a partir desta nomenclatura oficial ele faz algumas combinações, sem muita criatividade nem variação e discorre arreganhadamente em alto e bom (na verdade aos gritos) som sobre as partes íntimas e algumas implicações fisiológicas para a surpresa e arrepios de alguns passantes mais despreparados.
Isso ocorre invariavelmente todo dia na rua 7, pela manhã, a tarde e a noite. Basta o Luizinho querer animar a festa e dar a graça de sua presença.
Ele fica com o olhar fixo a frente e grita, berra e os que não o conhecem pensam que quilo é com quem tá passando, ai a graça, tem muita gente que reage!

-                 Olha o respeito rapaz!
-                 CARALHO!
-                 Você não está vendo que tem criança!
-                 VÁ PRA PUTA QUE PARIU CARALHO!
-                 Olha a minha mulher rapaz.
-                 BUCETA! PORRA...PUTA QUE PARIU.

Os que já privam deste deleite passam e gritam:

-                 Tá estressado Luizinho!
-                 PUTA QUE PARIU, PORRA!
-                 Alguém mexeu com você?
-                 ESSA BUCETA DA PORRA!
Outros mais respeitosos dizem apenas:
-        Seu Luiz!

Ela fica impávido! Nem pisca. O maior desprezo.
E assim vai, dia a dia Luizinho e eu linguajar semi-erudito que encanta os passantes com sua intervenção no calçadão da rua 7.
Mais detidamente comecei a observar Luizinho e até viajei pois notei que fora a linguagem chula e pornofônica, Luizinho articula bem as palavras usa os verbos e adjetivos ou seja, Luisinho em alguma época deve ter tido alguma educação formal. Outra coisa que começou a me chamar atenção é o cuidado que ele tem em não gritar tais atrocidades quando da presença de policiais militares ou da guarda municipal. Outro dia fiquei especialmente curioso pra ver qual seria o comportamento dele quando uma freira, sem hábito tradicional, mas com um roupa e crucifixo característico de uma religiosa aproximou-se. Pensei qual seria a dele e como seria a reação da irmã!
Para minha surpresa, Luizinho parou de vociferar e respeitou a passagem da irmã sem pronunciar uma palavra sequer.
Este diálogo reproduz um momento raro em que Luizinho se permite interagir com o mundo esterno e uma outra pessoa. Um senhor aproximou-se dele e o papo foi mais ou menos assim.

-                 (Luizinho) Tô precisando de 10 centavos.
-                 Você tá devendo na praça?
-                 Toda minha dívida é 10 centavos!
-                 Tá devendo 10 centavos a quem?
-                 Uma caixa de fósforos que e comprei.
-                 Tá bom, vou te dar os 10 centavos mas veja lá se não é pra comprar cachaça. Você bebe?
-                 Eu não! Beber faz mal ao estômago.
-                 É verdade, você sofre do estômago?
-                 Não! Meus estomago funciona muito bem, meu intestino também eu cago muito bem. (A pergunta que não cala é, ele caga onde?)
-                 Qur uma fruta? Eu compro umas bananas pra você?
-                 Não! Banana me dá azia...

Ele sabe das coisas. Ví quando a rua tava mais tranquila, ele sentado e passou uma jovem senhora do lado oposto a ele. Olha a pérola:
-        ESSA BUCETA!
-        ESSA BUCETA VAI E VEM!
A mulher fez que não era com ela, olhou de lado, cuspiu no chão e continuou.
-        VOU PASSAR GILETE NESSA BUCETA!
Luizinho este patrimônio da Rua 7. Dá os seus cochilos de dia, e perambula pela noite e entremeia sua vida alegrando surpreendentemente a vida dos passantes.
Vamos caminhando.
Na metade do primeiro trecho tem um prédio onde reside uma turma interessante, tem a senhora do primeiro andar que vive passando ferro na roupa, toda vez que a vejo passando roupa lembro do título “Por falta de uma nova, passei o ferro na velha”, vai ver que é este o caso dela. Falta de ferro. Logo acima tem a dupla de dois que só aparecem a noitinha e de madrugada, dois rapazes de olhar vago que gostam de ficar descamisados (Aliás é um hábito entre os homens de Vitória, seja onde for, criança, jovem, velho, o pessoal adora exibir os bíceps, mesmo que seja nas dobras da barriga), eles ficam na janela, por vezes os dois, outras vezes um de cada vez, fumando, olhando o movimento, com aquele ar de “perdidos numa noite suja” ainda não identifiquei se os dois são um casal ou é meramente preconceito meu.
Mais acima tem o velhinho gordo e barrigudo, descamisado também, que adora ficar olhando a rua e discutindo com o povo que passa na rua. Incrível, ele bate boca com os passantes e vez por outra o vejo na padaria tomando seu café.
-        TÁ OLHANDO O QUE? (O velho)
-        VOCÊ COM ESSA CARA DE BESTA!
-        OLHA RAPAZ VOCÊ PARECE QUE NÃO BATE BEM DA BOLA! (O velho)
E assim dá-se o rápido diálogo.
Os porteiro do prédio são um caso a parte, dois senhores de idade, conversadores, sorridentes (Acredito que a dentadura que eles usam é tamanho GG) conhecem quase todos que passam e sempre tem alguma coisa a dizer, um comentariozinho, uma gracinha, o menos velho tem uma farda característica que é uma camisa de listras azul escuro, meio desbotado e listras amarelas, dia sim e no outro também ele vem com esta fatídica camiseta. Quando nos encontramos ele sempre tem um assunto predileto comigo, o tempo!
-        Hoje vai chover! (O porteiro)
-        É parece que sim.
-        Vai sim, ta muito quente, há 77 dias que não chove!
-        É mesmo.
-        Tá na hora de chover....

E Assim por diante vamos mantendo nosso diálogo meteorológico de tempos em tempos.
Mais adiante, chegamos ao trecho final da primeira parte da rua 7, antes de cruzar com a rua,.
Este trecho não é menos importante ou interessante, passada mais algumas óticas chegamos a uma pequena pizzaria que é um primor. A partir deste ponto tem um monte de mesinhas no meio do calçadão, que servem para os clientes da pizzaria e do barzinho que fica mais adiante.
Outro dia fui lá conhecer a casa (pizzaria) e fiquei estasiado. Primeiro pelo atendimento. O dono um senhor malamanhado, desalinhado e grosseiro, veio meio que a contra gosto me entregar o cardápio, resmungou alguma coisa incompreensível entre os dentes e deu as costas.
-        Tem refrigerante diet?
-        NÃO!
-        Obrigado.
Depois de escolher chamei o dito cujo e perguntei se demoraria, ele disse que não, anotou o pedido e deu as costas. Em seguida pensei em fazer uma modificação, fui até ele temendo que o cara me destratasse. Ele entendeu, não muito satisfeito, mas atendeu.
-        A massa é fina ou grossa!
-        DEPENDE!
-        Sim?
-        Ô DONA MARIA A MASSA É FINA OU GROSSA?
-        (Esperando)
-        É DÁ PRA SAIR FINA!
-        Não! Eu prefiro massa grossa!
-        PORQUE NÃO DISSE LOGO!
-        Pode ser ou tá difícil?
-        É! PODE SER.
-        Obrigado
Fiquei esperando por um longo tempo e comecei a notar que tinha uma senhora, a cozinheira, outra mulher mais jovem, e uma terceira. Todas obesas. Aquele tipo de obesidade mórbida engordurada. Notei então a razão, na pizzaria ele tem um pequeno balcão de sorvetes e as senhoras ficam o tempo passando em frente ao balcão, e o tempo todo comendo as coberturas, docinhos, balas que deveriam servir aos clientes, detalhe, pegam as guloseimas com a mão! Com certeza não vou tomar sorvete alí. Se tivesse mais disposto nem comeria a pizza.
Depois de quase uma hora e meia chega a tal pizza, comi, paguei e disse adeus pra nunca mais voltar.
Chegamos então a primeira esquina, rua 7 com rua, no meio do calçadão tem uma banca de jornal de bom porte e no lado esquerdo o bar! Este bar é um fenômeno, como fica situado na esquina tem frente pras duas ruas. O danado do bar abre de segunda a segunda de seis da manhã as tres da madrugada! Um fenômeno. Não que ele seja o bar mais movimentado do pedaço, mas tem sempre gente, tem sempre 3 a 4 mesas ocupadas e tem os habitués que marcam ponto todo dia os 3 horários. Se você passar pelo barzinho as 8 da manhã já tem uma turma tomando uma cervejinha, e assim vais até as 3 da madruga.
Se fosse só isso tava bom demais, mas tem a música, alta e variada, um dia pode ser um hit da década de 80, outro dia pode ser um sambinha ou até mesmo “Amigos para sempre” com o José Carreras e a Montserrat Caballet. É um repertório eclético e alto. Creio que eles jamais ouviram falar numa tal de “Lei do silêncio” que obriga este tipo de estabelecimento a “baixar” o som depois das dez em área residencial. Ou então o aparelho de som não tem botão de volume, já veio assim, graduado no máximo de fábrica.
Fui lá outro dia comprar umas latinhas de cerveja, atendimento também de primeira!
-Tem latinha gelada?
-        Tem!
-        Quanto?
-        R$ 2,50
-        (Silêncio), fiquei pensando, deve ter algum erro.
-        E ai?
-        2,50 uma latinha?
-        Não! A GARRAFA!
-        Ah! Bom, creio que me expliquei mal, eu quero latinha......
Não pude deixar de notar uma coisa que me camou a atenção é a quantidade de clientes cotós, coxos e aleijados que frequentam o barzinho, com suas muletas, bengalas e sem braço, mas nem por isso deixam de se divertir, segurando habilidosamente os copos em seus côtos, até paquerar eu já presenciei o lance, só não sei se dá pra passar a mão na moça.
Curiosamente neste barzinho tem uma figurinha deveras interessante que é a Ya (O nome é fictício), uma menininha de uns 8 anos no máximo que diariamente vem com um casal idoso andar em sua bicicletinha cor-de-rosa. A menininha é um raio da cilibrina, começa a andar ao cair da tarde e não para, é pra cima e pra baixo, num vai e vem constante que é de estarrecer. Os velhinhos que a trazem devem ser os avós, ficam sentados numa mesinha perto da parede e pacientemente observam o vai e vem da menininha, logo Ya dá umas passadas nos pés do pessoal, batidas nas canelas e choques eventuais com os passantes. Todos a conhecem, ela fala com todo mundo inclusive com meu amigo porteiro meteorológico.
Com toda certeza essa menininha daria uma boa garota propaganda da duracell, pois ela é movida por uma energia que duraaaaaaa.
Vez por outra temos o privilégio de receber a turma que desce do morro com seus tamborins, taróis ou sei lá o que que faz um algazarra desgraçada, isto seja lá que hora for, de preferência depois das 10 da noite.
E gritam!
E cantam!
E passam, e agente permanece.
Tem também a velha bêbada, que fica a dançar, ou bailar, como queira, importunando as mesas e ninguém reage, creio que é mais outra que tem seu livre acesso a este universo paralelo de convivência pacífica.
Eventualmente podemos contar também com a presença de uma senhora magra, esguia que hora pode estar vestida num vestido de algodão que mais parece um camisolão ou ela simplesmente pode aparecer vestida num traje de veludo preto. Sua mumunha é conversar com as pessoas, ela se abanca ao lado de seja lá quem for, sem distinção de credo, sexo ou cor e manda ver, vai acompanhando a vítima, fala e já ví a dita cuja com o braço no ombro da pessoa escolhida numa romaria de proseio que atravessa toda a extensão da rua 7. Quando ela não está assim digamos, disposta a um bom papo, ela cata o lixo da rua. Mas não é um catar aleatório não! Ela escolhe, observa e sai carregando aquele monte de papéis e coisas que estão no chão.
Atravessamos a rua e continuamos nossa caminhada surrealista por este ambiente tão rico que é a rua 7.
Chegamos a metade do segundo trecho do calçadão, mais precisamente na pracinha, onde durante o dia um sem número de desocupados, mendigos e velhos com cara de aposentados dividem o espaço da simpática pracinha com senhoras e passantes. É aqui que Luizinho prefere tirar seu ronco, ao lado da turma de idosos que jogam damas o dia todo, lá se abanca Luizinho com a cabeça na soleira e o corpo meio enviesado na calçada dormindo o sono dos malucos.
Quando chega a noite o negócio melhora na pracinha pois a rapaziada chega, e a meninada vem pra praça jogar bola no campinho ou tocar seu violão, passear com seus cachorros, exibir seu peitoril marombado ou simplesmente namorar. É um espaço bem democrático que fecha com chave de ouro o nosso percurso pelo calçadão da rua 7.
Creio que o descrito já seria suficiente para se ter uma idéia mais que exacta deste mundo maravilhoso e suas criaturas fantásticas, mas lembrei que tem o rapazinho da bicicleta que todos os dias passa pela nossa rus 7, em alta velocidade e recitando as escrituras em alto e bom som, é uma sensação apocalíptica. Não deixando de ser interessante.
- E ASSIM ESTÁ ESCRITO OS MORTOS SE LEVANTARÃO DE SUAS CATACUMBAS PARA RESPONDER PELOS SEUS PECADOOOOOOOOSSSS...
Ele deveria fazer parte do bloco “Cadê o bloco? Já passou”.
Os dias na rua 7 são movimentadíssimos como você pode perceber, mas as noites e principalmente as madrugadas não deixam de ter o seu charme.
Lá pelas 2 da madrugada vem a turma da limpeza!
Os garis com suas vassouras e pás de metal, silenciosas (pra não dizer o contrário) puxando seus carrinhos que fazem aquele barulho característico de ranger das rodas mal lubrificadas e o bater das pás ao deitar o lixo a ser transportado. Diria, um balé (Ballet) quase clássico e com trilha sonora o que é importante frisar.
E assim, nossos sonhos (pra quem tem este direito raro) fica sob a batuta dos garis.
Parece que tá bom né mesmo!
Tem o amanhecer.
O amanhecer durante a semana é incrível. Logo cedo tem um tal de desativar alarme de loja, sabe como é? Aquele barulhinho característico de alarme sendo desligado, identificou? Pois é todos os dias tem isso um tal de acionar e desacionar alarme que é uma joia rara! Só que as vezes os alarme não atendem ao comando e, disparam!
-        BLIIIIIIP!
-        XEÊINNNNNN!
-        PLINNNNNNNN!
Mas o responsável logo depois das sirenes serem acionadas consegue resolver o caso e pronto! Tudo resolvido. Isso pela manhã, até umas 9 e meia, pois tem algumas lojas que abrem mais cedo e outras vão abrindo mais tarde.
O amanhecer do domingo é especial.
Chega o domingo. Dia de descanso.
Dormir um pouco mais é o desejo de todo pagador de impostos, cidadão contribuinte. Qual o quê.
Tem um filho de uma donzela, que trabalha na no departamento de limpeza e autoriza ou comanda o caminhão de lavagem da Rua 7 a começar seu trabalho com seu motorzinho funcionando a toda potência, roncando mais do que pororoca do amazonas pra fazer a bomba dágua ter mais pressão, as 6 da manhã!
Bom eu já tô acordado mesmo só me resta ficar escutando de minha janela o papo construtivo, útil e erudito dos funcionários da limpeza pública.

Por isto a rua 7 é minha rua. Quando eu e os outros moradores finalmente morrermos, iremos diretamente pro céu! Pois o purgatório agente já conhece.

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