Vinha eu caminhando pela calçada, com meus pensamentos, naquela avenida movimentadíssima. Indo de lá pra cá, ou talvez de nenhum lugar para lugar algum, como às vezes faço (fazemos), acreditando que estou realizando ou executando tarefas por vezes tão mecânicas.
Sem sentido!
O barulho do trânsito já não me tocava, estava contrito pensando minhas coisas, conversando comigo mesmo.
Fazia planos, traçava objetivos.
Fui arrebatado do meu universo paralelo para a realidade por um barulho fofo! Assim como uma caixa grande que bate violentamente contra o chão faz, quando isso acontece. Depois se seguiu um barulho complementar de ferro ralando no chão. Olhei rapidamente para a fonte do som e ainda pude perceber uma moto caindo e o motoboy se espatifando.
A moto girou no ar e foi parar no canteiro central, o motoboy seguiu uma trajetória similar, mas não rodopiou. Caiu na grama do canteiro a poucos metros da moto.
Foram segundos!
Lembro que cheguei a ouvir também o barulho de freada, pneus riscando o asfalto.
Ocorreu-me (mecanicamente)!
Estava com a câmera fotográfica e até me veio o reflexo de documentar a cena. Mas de pronto questionei a quem serviria esse documentário? A indústria da miséria humana que nada faz e vive da desgraça alheia! São tantos os apelos para que alimentemos isso!
Foram menos segundos ainda (de pensamento) e resolvi não fotografar nem registrar nada.
Minha atenção agora estava totalmente voltada para o acontecimento.
Eu, do lado contrário ao fato, caminhei, não com muita pressa, mas prestando bem atenção a tudo, a cena, ao todo, e fui me aproximando aos poucos.
Logo algumas pessoas se aproximaram, o motoboy sentou-se na grama com cara de quem estava sentindo dor! Os braços pra trás, segurava o corpo, as pernas estendidas.
Ainda não estava compreendendo bem o que acontecera.
Continuei observando, vasculhei tudo de canto a canto e notei que todos os carros que vinham no mesmo sentido do motoboy estavam parados há uns 10 metros atrás do acidente, enfileirados antes da faixa de pedestre. O sinal estava fechado!
Fiquei buscando a razão para a queda do motoboy, será que escorregou, bateu em algo na pista? Será que ele avançou o sinal e tentou frear bruscamente?
À medida que me aproximava vi que mais gente estava chegando, mas não ao lado do acidentado, estavam na pista daquela avenida movimentadissima.
Foi aí que notei que mais alguém estava caído na pista. Era uma pessoa magrinha, pequena, mas não parecia uma criança. De longe ainda, observei que do corpo só via uma perna azul.
Mais próximo pude identificar o corpo de uma moça, na verdade uma adolescente, uma menina. Calça jeans, blusa do colégio, com certeza, agora via que era uma mocinha de uns 15 anos.
No chão, o corpo dela estava praticamente imóvel, observei mesmo ainda um pouco distante que pelo movimento da barriga ela respirava devagarzinho.
Deitada em diagonal a pista, com a cabeça bem próxima ao meio fio, ela pendia um pouco para o lado esquerdo, ficando um pouco sobre o braço esquerdo, o outro braço estava estirado sem movimento caído ao lado do corpo. A perna direita semi dobrada sobre a esquerda, imóvel.
Junto à menina, duas outras mocinhas abaixadas lado a lado conversavam com ela, a que estava do lado direito tocava suavemente a menina acidentada e estava com o rosto com uma expressão de terror. A outra, posicionada a esquerda, passava a mão sobre os cabelos da vítima e falava. Junto a sua cabeça um homem de camisa amarela estava ao celular falando muito.
Em pé, notadamente duas pessoas, um homem de terno ao celular estava pedindo socorro, pensei, deve estar chamando a SAMU. A mulher ao lado dele estava paralisada.
Mais algumas pessoas, observando a cena.
Cheguei há uns 8 metros de distância e encontrei algumas pessoas sentadas num ponto de ônibus em frente, ainda do lado oposto a avenida, perguntei se tinham visto e me responderam que não, havia muitos carros e ônibus a frente que teriam impedido a visão. E todos diziam; “Foi muito rápido!”.
Atravessei as 3 faixas da pista a minha frente até o canteiro central.
O motoboy parecia bem, apesar das caretas de dor. Alguns motoboys paravam, na pista e logo perguntavam se ele estava bem, no que ele balançou a cabeça positivamente, um carro preto de uma senhora parou e do outro lado da pista e uma van também parou meio em cima da calçada.
O motorista da van também estava ao celular creio, pedindo socorro.
A maioria das pessoas estava apenas curiosa com o acontecido, os carros diminuíram a velocidade, o trânsito começou a ficar lento na faixa da pista onde estava a adolescente vitimada.
Olhei pro relógio. Marquei o tempo!
Percebi que não poderia fazer mais do que já estava sendo feito, mas fiquei por perto.
O coração apertado temia que o socorro demorasse.
Mais pessoas passavam, olhavam, uns paravam um pouco, algumas pessoas passavam ao lado do motoboy sem nem olhar...
8 minutos depois duas motos com policiais militares chegaram, pararam, em posição de proteção a mocinha acidentada, falavam pelo rádio.
Comecei a pensar que ela é filha de alguém. Deve ter Pai, Mãe, família. Uma história. Ligações com pessoas e com esse mundo vasto mundo de meu Deus.
14 minutos se passaram.
A adolescente deitada, imóvel! E eu comecei a me emocionar com a cena, demorava muito para chegar auxílio técnico.
Pensava nela e nos familiares.
Finalmente a ambulância dos Bombeiros chegou. Viva!
Uns 3 minutos depois a SAMU também chegou. Maravilha!
No mais ela foi imobilizada, aqueles procedimentos de praxe. Colocada na ambulância para ser levada a um hospital!
Aí, vai começar outra história. Atendimento, coisas de saúde pública, você sabe como é...
O motoboy permanecia na grama do canteiro central, fazendo careta e os paramédico por fim foram atende-lo. E procederam ao embarque dele na ambulância.
Tudo aquilo me deixou com pensamentos e sentimentos que me trouxeram o mar aos olhos (marejados).
Algumas pessoas me perguntaram o que tinha acontecido, eu respondi reticentemente! Não tinha certeza do que realmente tinha acontecido.
Resolvi seguir meu caminho.
Continuando a caminhar me perguntava; “De quem é a responsabilidade ou culpa?”
Do motoboy que avançou o sinal fechado?
Da adolescente que confiou que o motoboy seria educado, consciente e responsável e pararia antes da faixa?
Dos dois que não foram “educados” ou “espertos” o suficiente quanto deveriam ter sido?
Dos familiares, administradores, educadores, governantes?
Do sistema?
Seria a culpa minha (Se eu não tivesse parado nada disso existiria, mesmo que “desse” no jornal), por estar ali, e parar pra presenciar isso tudo, me permitir tocar por toda essa violência e ainda me emocionar?
Ou seria culpa de Deus?
Será que algum dia, isso importará realmente a quem de direito?
Na verdade, agora, passada a emoção, só consigo pensar que essa vida passa num piscar de olhos.
E é minha responsabilidade comigo mesmo (E de cada um de nós), fazer que esse intervalo de pálpebras, valha a pena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário