Sabia que era longe (Longe é um lugar que não existe*), calculei quase tudo para a viagem, arrumei bem a bagagem, roupas para todos os dias, imaginei as nuances do trabalho, até impressora e papel eu levei e estava com quase tudo planejado (segundo eu mesmo, para evitar o estresse). Afinal ficar fora a trabalho seis dias numa região que não conhecia onde viajaria por mais de meia dúzia de municípios diferentes, dormindo a cada dia num hotel estranho e rodando 2,100 kms numa semana, não é coisa pra amador não! É coisa pra profissional.
Brincadeira!
Agora, olhando só um pouquinho pra trás, vejo a minha permanente estupidez dos resquícios de condicionamentos recebidos e que me fazem pensar vez por outra que ainda, mesmo vivido o que vivi, tenho esse miraculoso (e pretensioso) poder de controlar minha vida.
Qual o que!
De mochilas, notebook e papeladas em punho, armado até os dentes (inclusive com minha poderosa máquina fotográfica) fui estrada afora (Bem acompanhado, sempre, eu, eu mesmo e Deus).
E lá ia em minha diligência buscando do Vale Encantado (Divino de São Lourenço, região sul do Espírito Santo, divisa com MG.) quando chegando a um lugarejo chamado Celina, parei pra pedir informações se estava indo na direção certa (Já se passara 3 horas e tanto de viagem), o sujeito do posto de gasolina com seu jeito peculiar disse;
É por aí mesmo, mas tem muita curva!
É mesmo?
Vai devagar senão você vai dormir no saco preto!
Caralho! Aquilo me chocou.
Só depois compreendi que o sujeito tinha sido extremamente simpático e até cuidadoso comigo. Realmente a estrada é de alta periculosidade e baixíssima velocidade. Nó máximo 60km.
Segui cautelosamente e entre uma curva e outra me deparo com a Cachoeira da fumaça. Essa primeira cachoeira que parece nas fotos.
PARALISEI!
Tive que parar o carro, a estrada sem acostamento e em meio a uma chuva fina saquei da câmera e comecei a fotografar!
Voltei ao carro e segui viagem.
Que impacto, nem propaganda subliminar de TV com sonoplastia e tudo misturada com os efeitos dos filmes de Hollywood jamais irá chegar perto do impacto e da emoção que eu começara a desfrutar.
Cada pedaço do caminho fazia eu parar e fotografar as imponentes árvores centenárias, lindas, daquelas que dá vontade de abraçar.
Desci do carro e fui lá dar um abraço nas minhas raízes, tronco...
Sujei a camisa com o limo e daí por diante percebi que estava impregnado daquela natureza.
Nada de 60km, nem 50 por hora, fui diminuindo a velocidade e parando a cada visão deslumbrante que me segurava a mão e a alma e me arrebatava, percebi que estava irremediavelmente apaixonado verdadeiramente.
Exclamava; “Puta merda! Caralho, Putaaaaaa!” E outras interjeições do gênero.
As cores das copas dos conjuntos de árvores nativas da Mata Atlântica, seculares, do tempo em que o tempo não existia, nem muito menos a sanha dessa malta burra que se reproduz como peste que são. Até poucos anos atrás o Espírito Santo detinha uma das maiores parcelas de Mata Atlântica remanescente. Hoje só vemos o mar de eucalipto que serve aos interesses estrangeiros para o fabrico de celulose.
Os milhares de tons de verde, dos mais densos e quase negros aos pastéis e com reflexos de luzes e contrastes com laranjas, vermelhos e amarelos, algo realmente Divinal.
Estava realmente enebriado. A trilha sonora (coisa que não deixo faltar) era um cd-zão de mp3 com dezenas de músicas da Elis Regina.
Chegar finalmente a cidadela (em torno de 2.000 habitantes) foi uma “experiência”, de repente o tempo parou e por pouco não chego “atrasado” para iniciar o trabalho.
Que bom!
Que maravilha viver (como diz a música).
Nesse momento me veio a certeza de que “Quanto mais me aproximo dessa Natureza Divina mais faço parte da vida real!”
É o que quero para mim.
Como de costume, fui extremamente bem recebido, me trataram como um príncipe consorte que vem em busca da princesa amada dos contos de fadas. As pessoas que vivem na “roça” como dizem alguns, são muito mais essenciais e transparentes.
As muitas pessoas da plateia (casa cheia), o Prefeito e vários de seus secretários, vereadores e outras autoridades do local se colocaram a minha disposição, me ofereceram um “Tour” especial nos dias que se seguram, com direito a guia e motorista em carro da prefeitura (meu carrinho de cidade não aguentaria o tranco) e com direito a deliciosos petiscos como queijos caseiros de tipos que nunca tinha provado, doces variados, cafezinho, pinga da boa, ótimos papos, muita informação, novas amizades (gente sábia) e um passeio que literalmente me levou as “Portas do céu” (Nome de uma das comunidades que visitamos).
Outro lugar especial foi a vila de Patrimônio da Penha, onde vivem os “hippies”, como são chamados (segundo o guia “uma turma muito maluca”). Algo mais que espetacular e com aquelas cachoeiras, paisagens, ponte pênsil (que segundo os nativos, “balanga” muito) dessas dos filmes do Indiana Jones.
Até o roqueiro mega star Sting já esteve por lá! E porque eu não estaria também.
Uma opção de vida corajosa, as imagens mostram algumas das casas. Aí entra o estupendo (todos os adjetivos para o lugar são superlativos) delírio concreto da imaginação de um homem que construiu uma casa com garrafas e vidros que Gaudí nunca imaginou e depois abandonou o lugar para ir morar num cantinho mais sossegado. O local estava sendo muito visitado.
Sei que não há como descrever o que vivi nesses últimos dias.
Só sei que voltei diferente, tocado pela força universal daquela natureza, energia ou como queiram chamar. Depois de estar no Caparaó, sei que jamais serei o mesmo. Pra mim foi o meu caminho de Santiago, minha ré-volta a natureza do Pai.
Dedico essa visão da realidade as minhas pessoas amadas, Mãe, Milla e Janú, Lucas e Gabriela. Amigas e Amigos queridos.
*Livro do Richard Bach